Assisti ao filme “Sem Ursos” de Jafar Panahi e muitas coisas vieram a minha mente. A primeira delas é sobre o nosso conceito de fronteira, sobre as ideias e as relações culturais entre os países e como nos submetemos a estas relações entre um país e outro. E, sobretudo, entre as pessoas que moram em um país com as pessoas que vem para aquele país.
A ideia de fronteiras sempre me cativou. A ideia de que nós, enquanto seres humanos, criamos convenções que seguimos a risca é algo interessante. Como cientista social, gosto de observar nossas relações com as nossas criações sociais e como, de alguma forma, nos sociabilizamos no entorno disto. Foi algo que não saiu da minha mente enquanto estava observando o drama desenrolado tanto por Jafar Panahi quanto por seus personagens/pessoas.
Cabe talvez fazermos um breve resumo do que é o filme e do que ele se trata: Panahi está em uma pequena cidade no Irã, confinado sem poder sair dela, mesmo estando próximo da fronteira e da sua “liberdade”. Ele está interpretando a si mesmo, que por conta de também estar isolado, para continuar o seu oficio de diretor, precisou dirigir filmes remotamente. O filme que vemos ele trabalhando é sobre um casal que está tentando sair do país, procurando locais e pessoas que possam arrumar um passaporte para que eles possam enfim conseguir a sua liberdade de um regime que os prende.
A relação e o filme inteiro gira em torno dessa convenção que criamos em relação as fronteiras. Vemos pessoas que querem sair, vemos pessoas que querem ficar, vemos pessoas que querem concretizar suas relações dentro das tradições no meio dessas convenções.
E Jafar Panahi se encontra no meio de tudo isto. Enquanto ele está, de certa forma, preso na cidade, ele sai por ai fotografando o que vê na cidade, no entanto ele acaba fotografando uma relação amorosa proibida pelos costumes da região – mais uma vez, convenções. E o interessante é que todos da cidade se voltam contra Panahi por ter tirado (ou não) a foto. E jogam pra cima dele de que ele está ali então precisa seguir e respeitar todas as tradições.
Ele nega veementemente que tirou a foto, talvez para não se envolver nos problemas daquele local e, consequentemente, fugir do problema que aquilo possa ocorrer. Acontece que ninguém quer que ele não se envolva, a todo momento ele é encontrado, inquerido, questionado sobre a foto. Mesmo que ele diga que não as tem, ninguém acredita, afinal, ele é o forasteiro daquele lugar. Uma criança tem uma posição de confiança maior do que ele.
Toda essa crise se mescla com a crise daquele casal que é filmado por Panahi e sua equipe. Eles querem e precisam sair de onde estão, mas não sabem se vão conseguir ou se estarão em segurança. Deste modo vemos a crise do casal e a crise política aumentar cada vez mais, chegando a um fim trágico para ambos- e também para o diretor.
Sem Ursos é um filme interessante, como alguns diriam “cheio de camadas”. Quanto mais se sabe, mais se estuda, mais se lê, mais o filme cresce. Jafar Panahi fez um trabalho cinematográfico incrível aqui.