Se eu perguntar qual foi o primeiro filme que você viu no cinema é muito provável que você lembre e, de alguma maneira, essa lembrança vai te evocar algum sentimento sobre aquilo que você viu pela primeira vez naquela tela gigantesca. Não é diferente para mim – lembro com muito carinho da minha primeira sessão de cinema, lá por volta do final dos anos 90 e da sensação de que aquilo que eu estava vendo era algo mágico. Também não é diferente para Steven Spielberg e Sammy (Gabriel LaBelle) o personagem do seu mais novo filme, “Os Fabelmans” que teve uma primeira experiência tão grande e forte que aquilo afetou o seu sono e o seu modo de ver o mundo.
E é assim que começa o novo filme de Spielberg, com uma família indo assistir um filme no cinema. É a primeira vez que essa criança fica de frente com uma obra em tela grande e isso causa uma certa ansiedade nela, que quase desiste de entrar na sala.
A partir daí o cinema e o ato de filmar as imagens em movimento se tornam essenciais na sua vida. Primeiro ele começa filmando trens colidindo, deixando sua mãe em ecstasy. Depois começa a filmar pequenas histórias com seu grupo de amigos, e isso vai ficar maior ao passo de ele se dedicar cada vez mais a isso.
Mas nem tudo é um mar de rosas na vida de Sammy. Uma de suas práticas com a câmera é a de filmagens caseiras, e em uma viagem de família ele acaba descobrindo através das filmagens que ele fez que sua mãe estava tendo um caso com o melhor amigo de seu pai e isso o deixa em completo desespero e descompasso com a sua família e com o seu ato de filmar. E aqui eu quero dizer duas coisas: de início eu não gostei muito dessa parte da história do caso entre a mãe e o amigo do pai/família, só que com o passar do filme essa relação vai ficando mais relevante para toda a história. Ainda mais quando entendemos que ela é uma parte importante da vida de Spielberg (isso foi algo que aconteceu com ele e com sua família). E a segunda coisa é a devoção que o diretor tem com o cinema. A cena em que é desenrolada a situação da traição da mãe é, me parece, uma carta de amor ao cinema. Parece que a única coisa que diz a verdade para ele é a câmera, as filmagens são sinceras, mesmo que isso cause alguma dor para ele.
Você pode ver o quanto ele ama o cinema com o fato de que, nos momentos mais difíceis da sua vida, ao que parece, nas memórias mais doloridas, são os momentos em que ele decidiu, por algum motivo, se afastar do ato de filmar. Quando ele está longe do seu verdadeiro ofício, daquilo que ele realmente ama fazer, tudo a sua volta parece desmoronar e deixar a sua vida mais triste. O cinema para Sammy é a luz que ilumina toda a existência dele.
Mas nem tudo no filme é positivo. Algo que senti uma falta imensa foi o desenvolvimento das personagens femininas do filme, que parecem ser muito mais complexas e interessantes do que vemos na tela. A mãe (Michelle Williams) e as irmãs (Keeley Karsten e Julia Butters) parecem ser personagens extremamente interessantes e pessoas que eu adoraria saber mais e que tivessem uma participação mais efetiva na obra. Entendo que isso tenha sido deixado de lado por conta das memórias de Spielberg, mas é uma pena não ver mais daquelas pessoas.
“Os Fabelmans” é uma carta de amor de Steven Spielberg para o cinema e só por isso é um deleite para todos aqueles que tem na sua vida e no seu coração um lugar especial para essa arte. E no final o diretor joga no seguro e coloca David Lynch interpretando ninguém mais e ninguém menos do que John Ford e dando dicas sobre direção para o jovem e aspirante a artista. Isso junto com o ultimo plano – uma junção da dica de Lynch/Ford com cantando na chuva – faz qualquer um terminar o filme com um sorriso no rosto.