Em 1845 um dos pais do socialismo científico, Friedrich Engels, falou sobre o exército industrial de reserva, que basicamente é a necessidade de haver uma grande quantidade de pessoas desempregadas para fazer pressão ou substituir os trabalhadores das fábricas da Inglaterra quando estes não estavam cumprindo o seu trabalho ou estavam causando problemas. Se transpormos a teoria de Engels para o século XXI ela ainda têm força, não com a mesma intensidade, já que não vivemos mais em um capitalismo majoritariamente industrial, mas a ideia central de uma grande parcela de desempregados para suprir uma força de trabalho problemática ainda é uma realidade em todos os países e meios de trabalho.
Acredito ser pertinente citar essa teoria do Engels para falar do filme de Francis Vogner dos Reis, “A Máquina Infernal” , pois foi algo que ecoou em minha mente conforme eu ia assistindo ao filme. Desde o início do filme vemos o quanto a teoria de Engels ainda é pertinente na sociedade. Iniciamos com a morte de um operário em serviço e assim como qualquer peça de uma máquina, é substituído. Não há humanidade nessa relação entre humano e capital. A única lógica que existe e que merece ser levada em conta é a do lucro.
Depois sobre apresentados a mais personagens daquela fábrica, pessoas que estão ali trabalhando, que estão ali vagando, ou que simplesmente estão existindo naquele espaço. Francis faz uma série de imagens sobrepostas, a meu ver, para mostrar tanto uma relação entre passado e presente daquele território, quanto para demonstrar a estreita relação que o humano tem com as máquinas dentro do mundo capitalista. Afinal, o objetivo de todos ali é um só: proporcionar o lucro para os donos daquela fábrica.
Aqui vemos também o quanto aquela fábrica está deteriorada. Não são só as máquinas que estão se deteriorando, mas a própria fábrica está prestes a cair – inclusive vemos ela cair no meio das sobreposições do filme – e ficamos na agonia sem saber se isso acontecerá durante o período de trabalho daquelas pessoas.
Aqui entra um pouco da ideia de horror nessa obra. Já conversamos antes nesta coluna o quanto o horror é subjetivo e que dialoga muito com os nossos sentimentos e medos sociais. Na obra de Francis o horror parece se manifestar de meios diferentes: na relação entre aqueles funcionários com o capital em todas as suas formas – com os patrões, com as paredes da fábrica, com o medo de ser soterrados – e com as máquinas. Os trabalhadores são literalmente possuídos pelas máquinas na parte final do filme. Ali deixa bem claro de que o que estamos vendo é uma obra de horror.
É interessante colocar “A Máquina Infernal” em um cenário mais amplo de filmes produzidos no início desse novo decênio. A relação humano/máquina parece ser uma tema comum no cinema nesses primeiros anos dos anos 20. Vale lembrar o filme de Renata Pinheiro “Carro Rei” e “Titane” de Julia Ducournau, os dois primeiros com os carros e, no caso filme de “A Máquina Infernal” uma relação individuo/máquina-fábrica. Todos com suas especificidades, claro, mas me pareceu interessante colocar os filmes dentro de um cenário maior de relações pessoais entre indivíduos, máquinas e sociedade como um todo. Talvez seja um devaneio meio sem sentido, mas me parece interessante que as câmeras dos nossos dias estejam buscando refletir sobre isso.
Francis Vogner é um crítico que relaciona as obras com as questões sociais e políticas em seus textos, não é surpresa que seu cinema também seja assim. “A Máquina Infernal” sobrepõe as imagens de um capitalismo do passado com o do presente, mostra que mesmo passado séculos, a teoria de Engels ainda faz sentido dentro do que vivemos hoje em dia. Enquanto cinema evoluímos muito, mas em relação a questões de trabalho e capital, parece que ainda estamos no século XIX. Será que um dia isso vai mudar? Não há resposta para isso, nem no filme e muito menos neste texto, mas acho que é algo a se pensar.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 08 de abril de 2022.